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Por Fábio Correa Xavier

Originalmente publicado por Jota, em 11/05/2021

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Crédito: https://www.pexels.com/

A estrutura das organizações públicas e os modelos de gestão adotados pelos gestores públicos têm se adaptado às mudanças em busca de uma maior efetividade das políticas públicas em prol da sociedade. Assim, surgiram ao longo da história várias teorias de administração pública, como a Administração Burocrática, a Nova Gestão Pública e a Governança Pública[1]. Raquel (2012)[2] descreve as principais modelos de administração pública:

administração burocrática é influenciada por Max Weber e seus conceitos de burocracia. Para Weber, a burocracia é baseada no fato de que “qualquer direito pode ser criado e modificado mediante estatuto sancionado”. Esse conceito é conhecido como dominação racional-legal, pois o gestor público está submetido às normas legais. O governo governa e a sociedade é governada.

nova gestão pública, buscando solucionar os problemas da Administração Burocrática – como a inoperância para conduzir as políticas públicas[3] e o inchaço do Estado – busca incorporar as práticas do setor privado nas instituições públicas objetivando transformar gestores públicos em prestadores de serviços e cidadãos em clientes. O foco passa a ser o resultado e não em processos e procedimentos. Isso resultou em uma retração e distanciamento do Estado e na incapacidade de se tratar problemas urbanos de caráter político, econômico e social.

governança pública acabou sendo a resposta à demanda da sociedade por participação na gestão pública e na construção de políticas públicas. Seria o processo de governar em parceria com a sociedade, buscando os melhores resultados das políticas públicas com geração de valor para os cidadãos, pensando e atuando sobre os problemas e desafios de uma sociedade em constante evolução.

A governança pública colaborativa

Seguindo a tendência de evolução constante dos modelos de administração pública, surge a governança pública colaborativa, como uma nova faceta do processo de governança pública. Segundo Martins e Marini (2014), “governança colaborativa é a governança em rede em duplo sentido: um relacionado à atuação conjunta de múltiplas instituições; outro relacionado às interações com a sociedade em rede[4]. Colaboração, nesse contexto, seria indicar o “com quem” e o “como” o processo de governança se estabelece (MARTINS; MARINI, 2014).

Nesse modelo, o objetivo é gerar valor público a partir de conexões entre as instituições públicas e a sociedade em rede, facilitando o entendimento das necessidades por meio de uma rede de colaboração, a partir de conexões e interações entre os atores envolvidos.

Redes são conjuntos de nós e suas relações. Assim, segundo o professor Humberto Falcão Martins[5], a governança pública colaborativa se fundamenta em três alicerces: a complexidade dos problemas públicos, a sociedade em rede – uma sociedade hiperconectada com capacidade de se comunicar de forma autônoma e livre das instituições, capaz de gerar rápidas mobilizações em torno de várias questões, gerando transformação política e social, um contrapoder da sociedade – e a ideia do Estado em rede – um Estado articulado, fruto da colaboração e parceria com o setor privado, terceiro setor e organismos multilaterais.

Quanto à complexidade, os problemas públicos possuem inúmeras variáveis e impacto na vida de milhares (ou a totalidade) de pessoas de determinada região. Além disso, os problemas públicos possuem a característica da não excludabilidade[6], que segundo Martins, seria o fato de que nenhum de nós pode se colocar fora do alcance deles.

Dessa forma, uma abordagem colaborativa sobre os problemas públicos pode ser mais efetiva, uma vez que nenhum ator isoladamente tem conhecimento de todas as variáveis e meios necessários para tratá-los de forma efetiva.

Uma rede de colaboração autogerida seria motivada por fatores como confiança, interdependência, reciprocidade, integração, alinhamento finalístico para bem comum, de forma constante, não esporádica, com grande consciência estratégica (MARTINS; MARINI, 2014).

Assim, agentes públicos, empresas, sociedade civil, organizações sociais e diversos outros atores formam redes de governança colaborativas com o intuito de coproduzir e cocriar serviços, políticas e soluções mais eficazes para os problemas públicos.

Os gestores públicos nesse modelo seriam líderes que empregam a cocriação como uma ferramenta para promoção de valores públicos, com capacidade de aglutinar atores e recursos na sociedade civil, nos mais diversos setores, tendo como alvo não apenas melhorar a qualidade dos serviços públicos, mas também de promover uma gama de resultados de valor público mais amplos, que não são predefinidos pelas autoridades públicas, mas assumem forma e são remodelados como parte do processo desse processo cocriação, coprodução, de colaboração integrada.

Ansell e Torfing (2021) destacam que, embora possam ser considerados sinônimos, coprodução e cocriação têm importantes diferenças. Enquanto a coprodução é ligada à produção de serviços, envolvendo apenas usuários e prestadores de serviços individuais, a cocriação tem uma aplicação mais ampla no campo da governança pública e envolve uma gama mais ampla de atores, atividades e resultados.

A cocriação seria um “processo através do qual uma infinidade de atores públicos e privados estão envolvidos – idealmente em pé de igualdade – em um esforço colaborativo para definir problemas comuns e projetar e implementar soluções públicas novas, melhores, mas viáveis” (ANSELL; TORFING, 2021).

Ou seja, a coprodução é centrada no usuário de serviços públicos e cocriação busca soluções públicas amplas inovadoras, emergentes e disruptivas.

Ansell e Torfing (2021) destacam casos de sucesso de cocriação na área de saúde, planejamento urbano e, regionalmente, nos países nórdicos da Europa. Afirmam ainda que o uso da cocriação na governança pública tende a ser mais local do que regional, nacional ou global, em função da proximidade entre os cidadãos, agentes públicos e demais interessados no problema público.

Contudo, é importante a criação de plataformas para estimular o uso da cocriação na governança pública. Nesse sentido, gestores públicos poderiam direcionar recursos (orçamentários e humanos) para a criação de tais plataformas – tecnológicas (plataformas de colaboração online, redes sociais, reuniões virtuais) ou não (centros comunitários, bibliotecas públicas ou centros culturais, por exemplo) – para incentivar e mobilizar uma maior quantidade e diversidade de atores públicos e privados com o objetivo de construir uma rede de colaboração, geradora de soluções inovadoras, por meio da cocriação. A cocriação deve ser um processo generativo, interativo, de busca criativa por soluções inovadoras e viáveis, aproveitando positivamente as eventuais tensões inerentes ao processo de criação. Nessas plataformas, metodologias como o Design Thinking[7] podem ser empregadas para conduzir o processo de criação.

No fim, o objetivo de todos os atores envolvidos deve ser a busca das soluções para os complexos problemas públicos, melhorando a vida de uma sociedade cada vez mais conectada.


Referências bibliográficas

ANSELL, Christopher; TORFING, Jacob. Co-creation: the new kid on the block in public governance. Policy & Politics, Bristol, v. 49, n. 2, p. 211-230, abr. 2021.

BARTZ, Cátia Raquel Felden; TURCATO, Jessica Casali; BAGGIO, Daniel Knebel. Governança Colaborativa: um estudo bibliométrico e conceitual da última década de publicações. Drd – Desenvolvimento Regional em Debate, Canoinhas, v. 9, n. 1, p. 800-817, 8 de janeiro de 2019. Universidade do Contestado (UnC). http://dx.doi.org/10.24302/drd.v9i0. Disponível em: <http://www.periodicos.unc.br/index.php/drd/article/view/2394>. Acesso em: 28 de abril 2021.

ENAP. Colaboração é essencial na nova governança pública. 2020. Disponível em: <https://www.enap.gov.br/pt/acontece/noticias/colaboracao-e-essencial-na-nova-governanca-publica>. Acesso em: 28 de abril de 2021.

MARTINS, Humberto Falcão; MARINI, Caio. Governança Pública Contemporânea: uma tentativa de dissecação conceitual. Revista do TCU, Brasília, n. 130, p. 42-53, mai-ago. 2014. Disponível em: <https://revista.tcu.gov.br/ojs/index.php/RTCU/article/view/40>. Acesso em: 28 de abril de 2021.

RAQUEL, Izabela. Governança Pública: a consolidação de uma matriz com atributos que caracterizam o tema, na perspectiva de especialistas. 2012. 175 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Administração, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2012. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/99227/308743.pdf?sequence=1>. Acesso em: 28  de abril de 2021.

SØRENSEN, Eva; BRYSON, John; CROSBY, Barbara. How public leaders can promote public value through co-creation. Policy & Politics, Bristol, v. 49, n. 2, p. 267-286, abr. 2021.

Notas

[1] RAQUEL, Izabela. Governança Pública: a consolidação de uma matriz com atributos que caracterizam o tema, na perspectiva de especialistas. 2012. 175 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Administração, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2012. Disponível em: <https://repositorio.ufsc.br/bitstream/handle/123456789/99227/308743.pdf?sequence=1>. Acesso em: 28 de abril de 2021.

[2] Ibid.

[3] Segundo Thomas Dye, política pública pode ser definida como “tudo o que um governo decide fazer ou não fazer” (RAQUEL, 2012).

[4] MARTINS, Humberto Falcão; MARINI, Caio. Governança Pública Contemporânea: uma tentativa de dissecação conceitual. Revista do TCU, Brasília, n. 130, p. 42-53, mai-ago. 2014. Disponível em: <https://revista.tcu.gov.br/ojs/index.php/RTCU/article/view/40>. Acesso em: 28 de abril de 2021.

[5] ENAP. Colaboração é essencial na nova governança pública. 2020. Disponível em: <https://www.enap.gov.br/pt/acontece/noticias/colaboracao-e-essencial-na-nova-governanca-publica>. Acesso em: 28 de abril de 2021.

[6] Ibid.

[7] Design Thinking é uma metodologia prática para a integração de habilidades e mentalidade inovadora voltada para desenvolvimento de produtos e serviços, que combina empatia, criatividade e racionalidade para atender as necessidades do usuário e criar soluções bem-sucedidas e inovadoras.

Fábio Correa Xavier

Mestre em Ciência da Computação | Professor | Colunista da MIT Technology Review Brasil | Inovação, Privacidade e Proteção de Dados | Membro IAPP, GovDados

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